Não há motivos para querer desistir

Lembra quando passávamos a tarde brincando na rua com uma bola murcha? Como arrumávamos a casa em dez minutos e deixávamos ela mais bagunçada que arrumada, só pra poder encontra com o pessoal da rua e a guerra começar? Eram tantas as brincadeiras, salve bandeirinha, policia e ladrão, três cortes e claro, nossa guerra de água! Garrafas de detergente viravam verdadeiras pistolas e balões eram nossas mais poderosas granadas.

Deitávamos no chão sem preocupação com bactérias, sujeira e coisas assim, afinal, se duvidar, estávamos mais sujo que o próprio chão! Apenas esperávamos a respiração desacelerar e respirando aquele ar, que era tão puro, pensávamos em como nos transportar pra Narnia.

Éramos imortais. Nada poderia nos parar, nada a não ser nossos país e à hora de dormir. Deitávamos sem tantas preocupações, apenas fazendo planos de como conquistar o mundo e arrumar mais dinheiro para o sorvete, que era tão barato naquela época, e que agora custa o triplo do valor.

Os filmes nos inspiravam e davam todo o gás que precisávamos pra correr atrás dos nossos sonhos. Pergunto-me para onde foi tanta energia. Onde estão os planos de dominação do mundo e a imortalidade que não deixava a alegria morrer. Me pergunto o que a fama e o dinheiro fizeram com a gente e se existe uma forma de reverter esse processo destrutivo.

Eu me recuso a olhar para trás pensando que os dias eram melhores só porque eram dias mais jovens. Eu não sei o que me espera na outra esquina, talvez um vilão ou a conta do cartão de credito, a minha pistola de água ou meu celular, a vida ou a sobrevivência… como eu me sinto agora? Bem, mais cansada que depois da mais tenra batalha que travamos, mais velha que imaginei poder estar, menos feliz do que sonhei e sem você aqui pra me ajudar. Eu juro que nunca vamos mudar de volta para quando éramos crianças nós jurávamos que nunca iríamos morrer. Mas será que ainda somos imortais?

Ainda temos uma promessa a cumprir, nunca vamos morrer, então não há motivos para desistir. Sei que em alguma dessas esquinas você vai estar me esperando com minha capa de super heroína na mão e o sorriso de criança no rosto para salvarmos o mundo mais uma vez.

Amigo/amor

Estava exausta desse peso do nada que estou carregando durante todo esse tempo, e para não chorar, decidi me deitar.

As vezes tudo o que precisamos é de colo, mas na grande maioria das vezes não achamos ninguém para oferecê-lo, então precisamos nos aconchegar sozinhos e sussurrar pra si que o mundo não é esse inferno que aparenta.

Foi com esse pensamento que deitei.

Sabe, estou cansada desse nada, tudo me é pouco, passageiro, menor, pequeno… e sempre acreditei que são os altos e baixos da vida que fazem da vida o espetáculo de fé e esperança que torna a humanidade digna de algum amor.

Foi nesse desejo de esperança de dias melhores que minha mente vagou para nós, sim, existe um nós, e acredite, isso me surpreende. Já nos imaginei como mais que amigos, já imaginei tantas vidas diferentes para nós. Mas sempre foi fantasia. Um sonho. Nunca percebi que era real, que meus sentimentos e desejos ao longo de todos esses anos foram reais, e que agora é só o momento em que estou cansada demais de correr e simplesmente parei de correr.

Do que eu estava correndo? Bem, é melhor dizer: atrás do que estava correndo. Corria para te alcançar. Acreditei que ver sua caminhada me bastava, mas durante mais de uma década eu estive correndo para te alcançar, para andar ao seu lado, para ser sua parceira.

Mas mesmo para os mais atletas, uma corrida de dez anos é um tempo pesaroso demais, e por isso estou deitada, cansada, exausta de um atletismo romântico. Meu corpo cansou de correr atrás de você.

O curioso é que só agora que estou no chão, consigo perceber que corri, e mais, só agora percebo o objeto do meu desejo, o que desejava ser meu prêmio. É estranho entender que durante anos me neguei a entender que sempre quis ser mais que sua amiga. É difícil acreditar que como num filme cliché, vivi na friendzone por todo esse tempo.

Future me

Já faz um ano e meio que estamos presos em nossos mundos, com medo de um vírus devastador e ansiosos por uma volta a normalidade que, a essa altura do campeonato, parece utópica.

Pessoas estão tristes, andando como verdadeiros zumbis, loucas por algo novo, por algo que faça o coração vibrar, que alimente a fé, que torne a vida menos cinza, qualquer tom pastel já é lucro. Qualquer coisa que nos motive a sair da cama está valendo.

Passamos por um momento em que a história nos ensinou que amar a distância, em tempos de pandemia, é o maior ato de amor, acontece que ninguém explicou bem quais os termos desse ato grandioso.

Amar o OUTRO a distância é um grande ato de amor em tempos de pandemia. Quando estar próximo causa risco, é de longe que a atenção se faz necessária e é no longe que a gente se fez perto, protegendo quem amamos. Mas qual foi o preço pago? Porque sim, tudo tem um preço, até os bons atos.

A solidão já te fez companhia?

O afeto já lhe fez falta?

A dor de uma ferida curada já latejou tarde da noite?

O eco já gritou na sua mente hoje?

Esse é o preço, mas ele é como juros de uma conta, só percebemos no longo prazo o verdadeiro tamanho dessa divida. O amor a distância ressignificou o toque e a mais de 500 dias evitando contato físico o corpo sofre de uma abstinência descomunal.

E não pense que estou falando de algo sensual ou sexual, estou me referindo a afeto, ao toque de mãos, a um abraço, ao leve roçar de dedos. É sobre tocar o outro e ser tocado! É sobre tirar o medo de dentro do peito e dar lugar as coisas boas. É sobre não se isolar.

Perdi as contas de quantas vezes dancei ao som de “Future me” da Mega, tendo ninguém mais que o medo e ansiedade como par. Eles dançam bem, mas seu toque é frio e não apazigua o coração, muito pelo contrário, esmaece a esperança. Eles sussurram fatos tristes e te fazem acreditar que o passado será futuro, e lentamente o presente deixa os sentimentos bons, que ainda restam, escoar por entre as mãos e a capacidade de se refazer vai se deteriorando com o tempo.

Mas para todas as pessoas que se sentem desesperadas, ansiosas, mal amadas… não desistam do seu futuro eu. A divida que pagamos é alta, mas ela é alta porque a moeda em que pagamos tem um valor monetário gigantesco porque ela é muito valiosa. Nossa divida é paga em amor, porque amando à distância, amamos com muita fé. Então não tenha medo nem pressa pelo futuro, apenas lembre que você tem muito a oferecer e a incrível eu do futuro é uma pessoa livre de dividas emocionais e muito grata a tudo que a maravilhosa eu do passado fez.

Status de relacionamento

Estava comentando com minha terapeuta o quanto sou apegada à meus irmão. Eu sou uma daquelas pessoas que adora ter irmãos, família grande, o silêncio definitivamente não cairia bem em nenhum lugar que eu ousasse chamar de lar. Sou grata por ter a loucura de gritarias, birras infantis e falta de bom senso na hora de pegar o ultimo pedaço de pizza. Ter uma família grande tem desses conflitos.

Mas ao falar do sentimento que tenho pelos meus irmãos, me ocorreu falar que eu nunca me apaixonei.

Engraçado, eu não sei de onde veio esse pensamento, nem o porque eu falei, mas eu falei e na hora era verdade na minha mente, mas hoje eu me questiono se também era verdade no meu coração.

Comecei a ler o livro Nem todo amor tem um final feliz, e um livro nunca me pareceu tão desconcertante. Me senti uma farsa lendo esse livro. Como eu que nunca me apaixonei poderia entender o que é não ter um amor correspondido? A verdade é que até a página 42 eu não entendia mesmo.

O que mudou?

Mudou que num ímpeto de insanidade eu digitei seu nome no buscador do navegador de internet, mas diferente das últimas vezes em que somente o seu bom nome aparecia no ESCAVADOR sem nenhuma diligência em sua carreira ou vida civil, dessa vez o link da página do seu facebook apareceu.

Queria dizer que isso não mexeu comigo, mas a verdade é que isso me deixou eufórica! A semanas, na verdade, a meses eu venho vasculhando a internet tentando buscar qualquer migalha de informação a seu respeito, se gosta de cachorro, como era na infância, amigos, o que gosta de comer, que páginas curte, currículo lattes… qualquer coisa que fosse além do profissional, qualquer coisa que me dissesse mais sobre você, qualquer coisa sobre você.

Qualquer coisa menos seu status de relacionamento.

É, estou a meses nutrindo sentimentos por você, sentimentos esse que tento sufocar a medida que crescem, e nunca me questionei se você tinha alguém em sua vida.

Estupida, eu sei.

Vou ser bem franca, eu não permitia pensar sobre qualquer coisa relacionada ao emocional, eu sou fraca para essas coisas. Apesar de ser uma mulher incrivelmente forte tenho minha kryptonita, e qualquer coisa que me faça chorar ou ouvir River flows in you me tira do eixo.

Fechei a guia do facebook, mas não sem antes sentir uma dor forte no peito, bem no lugar onde dizem estar o coração. Eu não sei se é ansiedade ou alguma outra enfermidade.

Já li sobre corações partidos, não sou totalmente leiga, mas não faz sentido ser coração partido, porque até onde sei, deveria ser o coração a doer, mas no meu caso, o corpo todo dói.

Curiosamente, eu começo a entender o livro.

Inclusive recomendo.

Não estou bem, mas vou melhorar

-Oi!

-Oi!

-Tudo bem?

-Sim e você?

-Não.

Nem todo dia estamos bem. Aliás, é difícil estar bem, na maioria dos dias a vida dá um jeito de lembrar a gente que a vida é feita de altos e baixos. Pela manhã o ônibus atrasa, o transito está um caos e você esquece de bater o ponto. A tarde o calor escaldante lhe fornece uma enxaqueca. O chefe te passa mais trabalho e alguém tomou todo o café. Mas a noite, ao chegar em casa, seu cachorro te saúda com um lambeijo, a pizzaria acrescenta borda recheada na pizza e com desconto.

O dia não foi de todo ruim.

Mas não foi de todo bom.

Mas foi bom. O 100% não chegou, mas saímos do 0% e entre o 100 e o 0 existe 99 porcentagens e estar em qualquer delas, te faz um pouco melhor. Então, sim, não estou bem, o dia não foi como o esperado, poderia ter feito mais, poderia ter sido um super-herói. Mas tá tudo bem, salvo o dia amanhã.

O peso do silêncio

Eu sou ansiosa.

Não é uma simples afirmação, é na verdade uma confissão.

Estou cansada.

Não corri uma maratona, na verdade passei o dia na cama, mas ainda sim, estou cansada.

Tenho medo que alguém abra a porta do meu quarto e me pegue chorando, porque eu não tenho mais forças para esconder que tá complicado. Chorar no chuveiro não é o suficiente e meu corpo diz que estamos no nosso limite.

Segredos são pesos. A principio é fácil carregar, você equilibra bem tudo nas costas e continua andando como se nada de errado existisse. Mas a gravidade é traiçoeira, ela puxa os pesos e torna tudo mais pesaroso. A cada dia fica mais e mais difícil carregar os mesmos pesos. Os segredos sufocam e o ar que antes preenchia os pulmões passam a ser cada vez mais escasso. A dor se espalha, o peso só se intensifica, parece que a qualquer momento alguém vai descobrir e todos verão que você é uma farsa.

A parte mais difícil é que o quase continua sendo quase. Ninguém escancara a porta, ninguém te desmascara como nos filmes e o silêncio continua a cada dia mais ensurdecedor.

Sonho de apatia

A loucura da paixão!

A sensualidade da luxuria.

A tristeza da dor.

A alegria do alívio.

A solidão do 5° copo de uisque.

A sensação de poder após dar um soco em cheio na cara de alguém.

Intensidades que são ansiadas por um número quase assustados de pessoas:

homens,

mulheres,

jovens, velhos, ruivos, loiros, equilibrados e insanos.

O ‘intenso’ é o versículo que intensifica o desejo.

Todos desesperados pela intensidade do sentir.

Bem, não todos, só a grande maioria. Para um ansioso nada é mais pesarosos que sentir. Tudo é intenso! Intenso é a palavra de ordem de um ansioso.

A dor ecoa sempre que um lembrete de um compromisso é acionado. Sempre que um notificação chega. Sempre que alguém o olha, sempre, sempre, sempre….

Tudo é barulhento demais.

Tudo é luminoso de mais.

Tudo é escuro demais.

Tudo machuca.

Todos ferem.

Todos são feridos.

Tudo que é intenso é almejado, mas o ansioso não corre atrás do intenso.

O ansioso por si só potencializa tudo.

Depois ele sofre por tudo.

A música é sempre alta de mais pra quem tem o folego curto, por isso o silêncio da imensidão do universo não o assusta, muito pelo contrário, o silêncio e a escuridão são seus desejos mais sacanas. A apatia é, senão, toda a intensidade que procuram na vida.

Converse com o que dói em você

Eu precisei sumir de novo. Que novidade, não é?! Aqui tá tudo bem, mas outra vez eu precisei ficar na minha.  Olhar a vida pela janela e esperar a tempestade passar.  Não era lá fora que a ventania assustava, era aqui dentro.

Aprendi muito cedo que quando um não quer, dois não brigam, e muitas vezes essa premissa se faz verdade. Quando um lado se opõe, dificilmente o confronte se concretiza. O que não faz dessa premissa uma completa verdade é que existe um adendo. Pra que o confronto não se torne uma realidade, não basta só que um dos lados vire as costas, é necessário se posicionar, deixar sua posição (mesmo que negativa) bem exposta, de forma que o outro lado entenda que não haverá com quem lutar.

a verdade é que para não haver confronto é preciso coragem para impor o desinteresse em lutar. Até pra não enfrentar é preciso confrontar! É preciso expor os ‘nãos’, é preciso não ter medo de mostra que o debate não lhe interessa, que o que vier não lhe faz bem, que combate pode trazer prejuízos, julgamentos, tristezas, dor…

Nem sempre acordamos dispostos a colocar a capa de chuva e encarar a tempestade, porque os relâmpagos e os trovões da vida não são forças da natureza, são pessoas com sentimentos, amores e dores. E nessa imensidão de pessoas, existe nós, tão sozinhos quanto um guarda chuva perdido vento a fora. E com a gente segue uma imensidão de vontades, de dúvidas, de medos, de amores… é difícil deixar de ser o guarda chuva perdido quando a bussola que aponta nosso norte está gritando dentro de nós e fazemos questão, de dia após dia, silencia-la.

Ei pai, como estão as coisas?

Desculpa a demora pra fazer isso.

Não vou dizer que eu queria fazer isso, se eu pudesse evitar esse momento pelo resto da vida, acredite, eu evitaria. Não vai ser fácil, na verdade eu não faço ideia de como vai ser, mas preciso tentar. Dessa vez não é por mim. Dessa vez é por você.

A gente não conversava muito, mas as coisas claramente começaram a se desfazer nos últimos anos. As olhadas face a face diminuíram até o ponto de eu não conseguir mais lembrar do seu rosto. As conversas animadas se tornaram diálogos secos até se tornarem uma mera troca de palavras entre dois estranhos. Na verdade, no fim, nem palavras trocávamos. Era só silêncio.

Era cômodo pra mim, porque por muito tempo as coisas foram tão difíceis que tudo que eu pudesse fazer para a dor passar eu faria. E eu fiz.

Não é nem de longe a explicação que você merece, mas é a verdade. Eu estava cansada, com medo e, de certa forma, sozinha. A gente se resguardava em silêncio e remoíamos nossas dores sozinhos. Todos sentíamos dor, mas não entendiamos nem a nossa própria dor, como acolher a dor do outro?

Eu sinto por ter desistido do senhor. E aqui eu acho necessário explicar que eu sinto por ter desistido do senhor e não do homem que eu cuidava, que gritava, que estava perdido. Sei que não é legal dizer isso, a final de contas esse homem precisava de ajuda e dizer que não me arrependo de ter desistido dele é algo bem ruim. Mas aquele homem precisou de ajuda em um momento que todos nós precisávamos e quando dois feridos tentam se curar, acaba que a dor do outro machuca ainda mais sua ferida. Era o que fazíamos, usávamos nossa dor para ferir ainda mais a ferida do outro. Mas deixe-me voltar ao viés inicial. Em algum momento o senhor deixou que o homem bom, o marido gentil e o pai amável dê-se lugar a um monstro. Eu não te julgo, porque eu não faço ideia do que o senhor passou para que isso acontecesse, mas aconteceu e só posso escrever sobre como isso nos afetou.

Pai, eu uso uma lembrança nossa como patrono. Patrono é um feitiço que afasta a escuridão e aquilo que rouba o que temos de melhor, e para conjurar esse feitiço tão poderoso é necessário uma lembrança muito forte e a minha lembrança é de quando caímos de bicicleta e fui parar no hospital. Aquele médico de mão frias costurou a minha pele e a lembrança não é das mais belas, mas depois, quando recebi alta e você me carregou no colo, tudo ficou melhor. Eu vi sua culpa por ter deixado aquilo acontecer, mas hoje tô aqui para agradecer por ter acontecido. O picolé que tomei depois fez daquele dia o dia mais feliz da minha vida, a lembrança mais forte da minha vida. Ela me dá forças para afastar a dor, para diminuir a tristeza. Ela acalentava meu coração quando o homem que eu cuidava tornava tudo difícil.

Tem coisas boas pai. Tem lembranças boas, de dias felizes, de noites tranquilas e de sono fácil. As vezes elas quase desaparecem, mas elas existem e faz todo o tormento ser menor. Quero agradecer por uma infância feliz. Quero te agradecer por me fazer sentir falta de um tempo que foi bom. Quero dizer que foi bom pai! Que nem tudo foi só dor. Se eu sinto falta é porque uma parte de mim já não vive mais, ela tá contigo e o senhor não está comigo.

Rezo para que esteja bem, rezo para que a dor tenha passado, rezo para que o tormento tenha passado e que o homem bom tenha retornado ao lar. Eu rezo para o seu melhor pai. Doía viver, né? Respirar doía, comer doía, viver doía. O senhor foi muito guerreiro de aguentar tanto tempo, porque hoje sabendo como é, sei que você foi forte, mais forte do que se quer poderíamos imaginar. Espero que onde quer que esteja a dor tenha passado.

Eu me formei. Sou engenheira agora e também faço mestrado. Sabíamos que não tenho perfil para a indústria, então vou ficar na academia mesmo. Eu amo pesquisar e quero dar o meu melhor, ajudar pessoas a serem melhores, a fazerem o mundo melhor e fazer isso do conforto da minha cama seria muito bom.

Você não estava lá quando a dor virou alívio, você não estava lá quando as mãos que me prendiam me soltaram. Você não estava lá, como eu sabia que não estaria, mas tudo bem, nada apaga seu trabalho. Eu cheguei lá, porque você me ajudou a chegar lá. E eu queria dizer que sou muito grata por me ajudar a realizar meu sonho. Por mesmo com dor me ajudar a ser quem eu queria.

As vezes eu me questiono se eu estivesse acordada naquele dia se as coisas seriam diferentes. Eu não sei a resposta, provavelmente nunca vou saber, mas se de alguma forma pudesse ter feito diferença eu peço desculpas por ter fechado meus olhos.

Peço desculpas pela mão que larguei.

Peço desculpas pelo olhar que desviei.

Peço desculpas pela voz que silenciei.

Peço desculpas pela ferida que feri.

Pela mão que não estendi.

Desculpa pai por permite que você fosse tão cedo. Tudo que consigo fazer é rezar para que esteja bem. E acredite, de minha parte, não há dívidas. O senhor me deu amor e me deu dor. Eu escolho guardar o amor e o resto eu entrego para que o tempo leve. Não há magoas, elas se foram junto com os tormentos.

Espero um dia me lembrar dessas coisas com saudade. Sem dor, só saudade mesmo, sabe?

E hoje escrevendo isso eu entendo que a mulher que sou hoje é graças a todas as experiências que tive e que se estou aqui é graças ao senhor. Bem ou mal, essa é quem sou e posso dizer, com certeza, que o senhor me fez engenheira e vai me torna mestre e o que eu fizer de bem pelo mundo tem muito da sua digital.

Seu livro terminou, mas sua história deixou spin off.

Com todo meu amor,

Zane.

P.S.: Ainda te amo muito

Inventei você?

“Antes de ir para longe, quero passar um tempo contigo…”

“… me senti eu mesmo, quase conectado…”

Quando era criança ela se sentava na cama ou no sofá e via as gotas de chuvas escorrerem pela janela. Sentia o frio e o calor, ouvia as músicas e chorava porque parecia que suas veias vibravam no mesmo timbre das canções. Pacientemente lia livros, os relia e vivia histórias.

Para um espectador desatento, ela não passava de uma criança solitária. Uma criança com irmãos mais velhos que há muito já não brincavam de bolinha de gude e de faz de conta. Solitária e sem amigos, apegado aos livros como uma forma de escapar da realidade solitária. Mas a verdade é que ela nunca esteve sozinha. Nos seus devaneios ela pensava no aqui, no agora, no antes e no durante, o passado a intrigava o futuro a excitava com as possibilidades, os livros a transportavam para outros mundos, a apresentava a outros seres e a libertavam de qualquer prisão física que a prendesse. E sobre os amigos, bem, o mundo podia não ver, mas ela tinha um amigo e falava com ele o tempo todo. Ele ia onde ela fosse e estava ao seu lado dia e noite, compartilhando dos risos e das tristezas.

Mas o mundo não o via.

E o tempo a sobrecarregou de responsabilidade e a fez esquecer do seu amigo.

O tempo passou, a menina cresceu e entre as amizades físicas, havia dois seres que sabiam de todo o seu amor e de todas as suas dores, compartilhava tudo e nunca a deixou na mão. O mundo não os via, mas a menina sentia a presença deles. Os tratava como iguais, como amigos inestimáveis e reais.

Mas o mundo não os via.

O mundo não entendia como ela podia tratá-los como reais.

O mundo não aceitava aquilo.

E o mundo a fez crer que não era normal. Que não era saudável. Que não era real.

E ela deixou para trás quem nunca deixou de estar ao seu lado. Ela ignorou seus confidentes. Ela sorriu para o mundo enquanto se quebrava por dentro ao ignorar o que e “quem” era importante. Ela se quebrou tanto que se esqueceu de ver o mundo através do vidro molhado da janela.

E um dia ela conheceu alguém.

Primeiro um conhecido.

Ele pirraçava ela. Ria do seu chapéu e não perdia uma oportunidade de chamá-la de pagodeira do rock.

Ele se aproximou. Constantemente a abordava, ele passou a estar sempre com ela. Nos bons e nos maus momentos.

E o conhecido tornou-se seu amigo.

E depois seu confidente.

E depois seu refugiu.

Sua fortaleza.

Os dias ruins não eram mais tão ruins quando ele aparecia a noite com seu humor e suas cronicas. Os dias bons eram ainda melhores quando a curiosidade dele a fazia contar tudo e dias chuvosos passaram a ter, além da companhia dos livros, seu fiel escudeiro. Ela não estava sozinha.

Tiveram bons e maus momentos. Compartilharam sonhos, músicas e medos. Ele se apaixonava pela vida e ela por ele. Os dois deitavam separados vislumbrando um mesmo céu, tentando ouvir as batidas do coração um do outro. Tentando suprimir o medo e a dor do outro. Servindo de porto para o outro.

Mas o mundo não o via.

Ela falava sobre ele, mas ninguém jamais o viu pessoalmente, nem ouviu sua voz. E o que pareceu um sonho aos poucos se tornou um pesadelo.

Ele era real?

De carne e osso?

Ela o havia inventado.

Parecia tão real.

Mas todos os outros também eram.